UM TÍTERE DE SI MESMO: a imagem como interface dos jogos estabelecidos em uma Criação Sistêmica
- Lisandro Bellotto
- Espaço de reflexão do mestrado em artes cênicas (UFRGS). A pesquisa tem por proposta central investigar de que forma as imagens virtuais podem agenciar processos criativos no campo teatral. Para tanto, elaborei uma metodologia onde a noção de “Criação Sistêmica” articula um jogo dinâmico de trocas de materiais criativos para a cena, através dos sujeitos participantes da pesquisa. O resultado cênico foi partilhado através do experimento prático “Um Títere de Si Mesmo”, onde imagens virtuais serviram de fonte de provocação e desestabilização entre os artistas envolvidos. Em memorial reflexivo, relato a caminhada e as inúmeras transformações habitadas pelas imagens: o texto, o corpo, o vídeo, a música, e a representação. Foram empregados materiais disponibilizados pela Internet e equipamentos como câmeras e projetores para construções virtuais sobre a cena. Em termos poéticos, a experimentação reflete a hibridação do ator com as mídias audiovisuais, observando princípios do teatro e da performance. Bolsa CAPES.
terça-feira, 28 de fevereiro de 2012
Experimentação Sonora para Imagem 1(África) por Felipe Gue
Ouvir pelo Soundcloud:
Comentários sobre o processo criativo por Felipe Gue:
Poucas vezes racionalizei meu processo criativo musical. De certa forma, por conta de uma formação musical e artística autodidata, transito entre o instinto e certa postura primitiva. Ao longo da carreira, no entanto, noto que respondo muito bem a diálogos artísticos como ponto de partida. Tratei assim, o novo desafio. Como um diálogo aberto transdisciplinar. No plano das artes, no sentido que vai um pouco além do simples estético, mas da vivência mesmo, do homem sensível, afetado por suas angústias, desejos, delírios transcendentes. No meu caso, ao invés de traduzir racionalmente tais impulsos, me aproximo deles, vivencio eles como uma espécie de alívio. Cura? Tenho acesso a esses lugares de sonho e projeção mental, por conta desse momento de vigília, de reflexão, que na maioria das vezes acontece após as ocorrências artísticas (o elán, a ação), nesse próprio momento de narrar o texto. As imagens fortes que o Lisandro me passou, me levaram a uma busca por alívio; a tensão e o desespero que procuram sua antítese dialética. Mas para não competir ou operar o desaparecimento do objeto inicial (a imagem, propriamente), oscilei as atmosferas sonoras entre seus próprios limites. A microfonia em oposição ao ambiente. Fugi do silêncio, pois é uma imagem inquieta, que não me permitiu calar. Ou melhor, que me levou a calar, mas como naquele monólogo interior; digerindo (e questinando, matando, por que não?) o que possuo de humano como espécie; compartilhando, então, essa culpa, esse remorso representado nas imagens que estamos, de forma perene, reproduzindo ao longo de nossa existência (experiencial, vivencial e material, seja no cosmo ou nesse espectro que podemos nomear de virtual). Quem foi essa criança? O que ela ainda é? Tentei imaginar isso em sons...
segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012
sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012
O Começo: parte final
O quinto e último passo antes do início do
trabalho em sala de ensaio será o de repassar as fotos selecionadas pelo Léo Remor para o músico Felipe Gue que vai, a partir delas, criar paisagens
sonoras. Ele não terá acesso as primeiras fotos selecionadas por mim, nem as
narrativas. Somente as fotos selecionadas
pelo Léo; cinco fotos darão vida a cinco composições sonoras que
servirão para a segunda fase do processo: o encontro entre todos os pesquisadores envolvidos e
todos os materiais criados. Nessa primeira fase os
encontros foram todos via internet. Um tecno convívio intenso através de e-mails e chats de bate papo.
sábado, 18 de fevereiro de 2012
René Magritte - La Victoire
Descrição da imagem:
No centro da imagem uma nuvem entrando pela
porta. Ou saindo. Mas como uma nuvem pode passar por portas? Se a porta for
azul na parte superior e amarela na parte inferior ela tem todo o direito. Até
porque essa porta não nos leva para o interior ou exterior. Ela é uma mera pasagem
para nuvens. De madeira a porta. Ela se mistura com o amarelo da areia e com o
azul do céu e do mar. A porta está em primeiro plano. Em segundo plano,
cobrindo toda a imagem um lago ou rio com o horizonte dividindo céu e terra. Não
seria nada demais se a porta não fosse contaminada pelas cores do céu, da água
e com o amarelo da terra. E tem a nuvem que não deveria estar em primeiro plano
, entrando pela porta, mas deveria estar compondo com o azul do céu ao fundo.
Pra onde essa nuvem vai é um desafio para os sentidos, Afronta a lógica ou um equívoco de quem compôs a imagem? Se não for
o mar e o céu azul ao fundo pode ser uma parede azul. Nesse caso, passaria para
o primeiro plano e justificaria a existência da porta. Se bem que, nesse
contexto se poderia atravessar paredes, mas vc cairia no lago. A não ser que
essa porta te leve para outra dimensão, outros espaços. O fato é; nunca convide
uma nuvem para jantar na sua casa. Ela pode exigir que os cômodos virem céu
azul e vc pode sumir dentro de uma imagem. Ficar refém do lado de dentro de um
espelho sem nexo. Se a porta fosse fechada de sopetão seccionaria a nuvem e
a porta sumiria. Se transformaria em ceu
e lago. Perderia o sentido, mas ganharia outros...
Duplo escolhido pelo Léo Remor(a partir da narrativa):
O Começo - parte 5
O terceiro passo é apresentar para o artista
plástico Leo Remor os textos que foram criados por mim a partir das imagens que
selecionei. Essas narrativas servirão de base para ele procurar mais 5 imagens
que traduzam novamente as palavras escritas. agora o texto, as palavras
derramadas no monitor branco serão o pressuposto para a procura de imagens que
enriquecem o processo criativo, alimentando a equipe com mais referenciais
imagéticos. É um desafio composto de
espelhos que vai se transformando lentamente através de um jogo de idas e
vindas entre texto e imagen. Um jogo que guarda semelhanças com o cadavre exquis dos surrealistas. Uma técnica pelo qual um grupo cria
coletivamente uma composição textual ou
imagética onde cada pessoa só pode ver o final do que o jogador anterior
realizou.
quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012
Referências - Fotografias impossíveis
(e se vc entrar no canal do TED, vai se deliciar com centenas de entrevistas, a maioria com legendas)
terça-feira, 14 de fevereiro de 2012
Descrição da imagem ÁFRICA:
O cenario é dramático. Branco
borrado no branco e cinza. Não se consegue ver onde termina o branco do céu e
onde começa o branco da areia. Parece um cenário com fundo falso. Um cenario de
ateliê. Ou é a antártida. Mas se sabe que não é a antártida. Mas é frio. Como
pés descalços no inverno, meias congelas no arame de ropas. Frio que gileteia o
coração. Ao fundo na esquerda uma árvore sem folhas. O esqueleto de uma árvore.Um
tronco com poucos galhos que insistem em
ficar em pé. Poderia designar o segundo
ato de esperando Godot. Poderia. A árvore vai se ramificando como veias que se espalham
em um corpo. Planta com umbigo. Em primeiro plano, a esquerda da árvore um
menino. Ele está nú. Uma nudez dessexualizada, uma nudez estéril. Nudez
invisivel. Qual foi a última vez que vocês fizeram sexo com alguém? O menino
está apoiado numa bengala improvisada. Não se sabe quem segura quem. Ainda forma uma interessante geometria entre as
pernas do garoto e a bengala, um Triângulo equilátero. As pernas do garoto poderiam
ser de madeira, mas são de ossos, secas, frágeis. Lábios secos. Ameixa seca. Dá
sede e água na boca. Ha ainda uma composição maior. A do garoto nú e a árvore
estéril no fundo. As costelas dele aparecem como os galhos mais finos da parte
de cima da árvore. Tudo poderia ficar ainda mais dramático se tocasse adagio
para cordas do Strings. O pé direito dele está um pouco enterrado na areia,
como a árvore que também esta enterrada. A areia subiu pelas pernas até duas
bolas que estão amparadas pelas canelas; os joelhos. A árvore estéril, as finas
pernas e a bengala improvisada. Qual dos elementos é o mais frágil? No final
das contas acaba sendo sempre o homem. O menino está olhando para a esquerda. Não
se sabe o que ele esta olhando. Talvez esperando alguém ou alguma coisa que o
tire daquele quadro. Daquela moldura seca,árida. Ou esperando sua mãe morta. Se
a árvore morrer ou for cortada, o menino ficará inevitavelmente sozinho com a
bengala. Sozinho e nú. Se o menino morrer a árvore é quem vai ficar sozinha,
nua e sem bengala. Mas quem vai morrer vai ser o menino. Talvez nem seja um
menino. Talvez seja um homem. Um saco de ossos com barriga. Costelas a mostra,
rosto caveira, barriga inchada. Mas inchada de que? Criança que não come não
ganha presente.Os braços bengala do menino seguram um objeto. Talvez uma bolsa,
talvez uma sacola. Talvez. Um recipiente vazio. Então para que o menino ainda
segura uma bolsa vazia? Ele roubou? Ele vai encher ela com algo? Ou a
necessidade de segurar, de ter alguma coisa em seu poder, ainda que seja uma
sacola vazia sem utilidade no meio da paisagem desértica. bengalas são para os
velhos e doentes, bolsas são para mulheres, galhos são para árvores , não para
costelas. O tempo passa, ninguém tira o garoto dali. O cenário não muda.
Permanece assim por anos até o dias de hoje. As veias do menino que são
aparentes o embalam, dão voltas nos seus pulsos no seu pescoço. Da onde esse
menino vem, pra onde ele vai? Qual foi a última palavra que ele disse? Quem ele
abraçou por último? Esse menino fala? Alguém escuta?Pode se observar ainda uma pequena
sombra, quase imperceptível do garoto ou o que sobrou de um garoto esquálido,
frágil cambaleante, esquecido e sozinho, meus deus, sozinho...
O Começo - parte 4
O próximo passo é descrever essas imagens. Transformá-las em
palavras que poderão ser usadas na montagem dos quadros na fase de ensaios em
sala. É um momento criativo de passagem. A passagem da imagem para a palavra,
de uma linguagem para outra, revelando as dobras que indicam
possibilidades poéticas.. As palavras vão nascer únicamente das imagens.
Como eu me
relaciono, como eu me coloco frente as imagens escolhidas? Sou participante ou
observador, eu faço parte delas? Como me aproximar, que atitudes tomar frente a
elas, como decifrá-las é o que gera inquietação. Como interagir
performaticamente com essas imagens que carregam a marca do seu tempo? Sou
absorvido pelos aspectos afetivos, estéticos, pelas histórias que elas
carregam. Eu não lido com a materialidade das imagens, elas colorem a
superfície do meu monitor; mas o que
aparece em quadro elimina a distância entre a foto e eu que observo. Interpretar
imagens está ligado as experiências pessoais de cada um somado a bagagem histórica
dessas imagens. Interpretar as imagens pode significar unir-se a elas para
sempre como, ao mesmo tempo, entender que elas também não se rendem a
significados únicos.
O Começo - parte 3
As primeiras imagens foram selecionadas. Três imagens jornalísticas: O REBELDE DESCONHECIDO(1989), fotografado em Pequim por Jeff Widener, ÁFRICA(2007) de Sebastião Salgado e EXECUTION fotografado em Saigon(1968) por Edie Adams.
Uma imagem que revela o corpo do norte americano Eric
Sprague, marcado por tatuagens, alargadores e piercings, mais conhecido como o
homem lagarto, e uma imagem do quadro do surrealista René Magritte que leva o
título de La Victoire. Todas essas imagens percorreram o mundo e continuam
disponíveis pela internet, a um clic de distância de nós. São conhecidas, permeiam
nosso inconsciente e trazem com elas as marcas indeléveis da modernidade. Imagens
que revelam diferentes facetas do humano e suas pulsações de vida e morte. A
partir delas, ainda permaneço no terreno do biográfico, mas não preso pelos
limites da minha individualidade. A biografia agora é do humano.
domingo, 12 de fevereiro de 2012
O começo – parte 2
A partir desse imenso receptáculo de memória coletiva
que é a Internet, a primeira ação será pinçar imagens virtuais que reflitam o homem
contemporâneo ocidental em algumas de suas facetas e tendências. A partir do corpo
ampliado, inserido na cultura, e não mais apenas o corpo e a subjetividade do
artista como o limite para a criação cênica, mas como ponto de partida para um
corpo metáfora de corpos em cultura.
Nessa
primeira fase processual, vale imagem de qualquer tipo, vinda de qualquer lugar
do hipertexto digital. Navegar nas ondas da net, usar a prática da deriva,
zapear pelos sites randomicamente, saltando de janela em janela, jogar palavras
no “Google imagens” aleatóriamente, sugestões do amigos virtuais em chats de bate papo. Procedimentos que
revelarão as imagens primeiras que servirão como trampolim para deflagar o ato criativo.
O Começo
O projeto foi concebido inicialmente
como uma pesquisa teórica e prática a partir de biografia pessoal misturada ao
uso das novas tecnologias e seus desdobramentos no palco. Todavia, no decorrer das
aulas do primeiro semestre e dos encontros de orientação, cheguei a conclusão
de que eu poderia acabar repetindo uma pesquisa que eu já havia feito ao
longo dos anos dentro da universidade como
aluno, e fora dela como ator. Então transformei a proposta inicial e passei a
me focar na relação do teatro com as tecnologias. A materialidade de tudo que ocupa o espaço da
cena tensionado com as imagens feitas de luz seria a problemática a se
refletir. O projeto enfim tinha se virtualizado: o corpo presente do ator
versus seu corpo projetado, bem como as inúmeras superfícies de projeção
possíveis(na fumaça, no chão e paredes do teatro, em bolhas de sabão e outros
objetos geométricos, no próprio corpo do ator e etc).
No entanto,
as sementes de uma virtualização de outra ordem na minha cabeça começava a
nascer. Pesquisar simplesmente essa zona de tensão não bastava. Parecia um
material rico em potências mas vazio. Como um objeto brilhante mas oco, de
frágil consistência. Além do mais, nas minhas aventuras constantes na Internet,
que se tornaram um “hobby” há muito
tempo, me deparei com fragmentos em vídeo de espetáculos de toda ordem e vindo
de todos os lugares do globo. Das pesquisas de superfícies de projeção ao
aspecto relacional dos atores com as imagens projetadas. Novamente uma estranha
impressão de que eu estaria repetindo experiências passadas.
Foi então,
depois de alguns meses de angústias e indeterminações, fase não isenta de
potências e descobertas, pela qual passa todo mestrando, que cheguei a questão a ser desenvolvida na minha pesquisa.
Justamente o que as imagens destes espetáculos que eu garimpava na net não
mostravam, foi o que começou a despertar o meu interesse; o processo de feitura
daquilo tudo. Uma camada específica da encenação que está ali, na hora da sua
apresentação mas permanece invisível para quem assiste. As relações que teriam que se reorganizar no
grupo, as novas demandas exigidas dos artistas envolvidos e as configurações
que renascem na fronterira entre o teatro e novas tecnologias. E mais, como
elas podem servir como uma fonte de provocação para os artistas envolvidos no
processo criativo da cena. Virtualizar as tecnologias é transformá-las em um
complexo problemático que desafie a equipe artística, e que a instigue a
encontrar soluções criativas para o impasse. Nascia assim o experimento “Um
Títere de Si Mesmo”.
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