UM TÍTERE DE SI MESMO: a imagem como interface dos jogos estabelecidos em uma Criação Sistêmica

Espaço de reflexão do mestrado em artes cênicas (UFRGS). A pesquisa tem por proposta central investigar de que forma as imagens virtuais podem agenciar processos criativos no campo teatral. Para tanto, elaborei uma metodologia onde a noção de “Criação Sistêmica” articula um jogo dinâmico de trocas de materiais criativos para a cena, através dos sujeitos participantes da pesquisa. O resultado cênico foi partilhado através do experimento prático “Um Títere de Si Mesmo”, onde imagens virtuais serviram de fonte de provocação e desestabilização entre os artistas envolvidos. Em memorial reflexivo, relato a caminhada e as inúmeras transformações habitadas pelas imagens: o texto, o corpo, o vídeo, a música, e a representação. Foram empregados materiais disponibilizados pela Internet e equipamentos como câmeras e projetores para construções virtuais sobre a cena. Em termos poéticos, a experimentação reflete a hibridação do ator com as mídias audiovisuais, observando princípios do teatro e da performance. Bolsa CAPES.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Descrição da imagem ÁFRICA:


 O cenario é dramático. Branco borrado no branco e cinza. Não se consegue ver onde termina o branco do céu e onde começa o branco da areia. Parece um cenário com fundo falso. Um cenario de ateliê. Ou é a antártida. Mas se sabe que não é a antártida. Mas é frio. Como pés descalços no inverno, meias congelas no arame de ropas. Frio que gileteia o coração. Ao fundo na esquerda uma árvore sem folhas. O esqueleto de uma árvore.Um tronco com poucos galhos  que insistem em ficar em pé.  Poderia designar o segundo ato de esperando Godot. Poderia.  A árvore  vai se ramificando como veias que se espalham em um corpo. Planta com umbigo. Em primeiro plano, a esquerda da árvore um menino. Ele está nú. Uma nudez dessexualizada, uma nudez estéril. Nudez invisivel. Qual foi a última vez que vocês fizeram sexo com alguém? O menino está apoiado numa bengala improvisada.  Não se sabe quem segura quem.  Ainda forma uma interessante geometria entre as pernas do garoto e a bengala, um Triângulo equilátero. As pernas do garoto poderiam ser de madeira, mas são de ossos, secas, frágeis. Lábios secos. Ameixa seca. Dá sede e água na boca. Ha ainda uma composição maior. A do garoto nú e a árvore estéril no fundo. As costelas dele aparecem como os galhos mais finos da parte de cima da árvore. Tudo poderia ficar ainda mais dramático se tocasse adagio para cordas do Strings. O pé direito dele está um pouco enterrado na areia, como a árvore que também esta enterrada. A areia subiu pelas pernas até duas bolas que estão amparadas pelas canelas; os joelhos. A árvore estéril, as finas pernas e a bengala improvisada. Qual dos elementos é o mais frágil? No final das contas acaba sendo sempre o homem. O menino está olhando para a esquerda. Não se sabe o que ele esta olhando. Talvez esperando alguém ou alguma coisa que o tire daquele quadro. Daquela moldura seca,árida. Ou esperando sua mãe morta. Se a árvore morrer ou for cortada, o menino ficará inevitavelmente sozinho com a bengala. Sozinho e nú. Se o menino morrer a árvore é quem vai ficar sozinha, nua e sem bengala. Mas quem vai morrer vai ser o menino. Talvez nem seja um menino. Talvez seja um homem. Um saco de ossos com barriga. Costelas a mostra, rosto caveira, barriga inchada. Mas inchada de que? Criança que não come não ganha presente.Os braços bengala do menino seguram um objeto. Talvez uma bolsa, talvez uma sacola. Talvez. Um recipiente vazio. Então para que o menino ainda segura uma bolsa vazia? Ele roubou? Ele vai encher ela com algo? Ou a necessidade de segurar, de ter alguma coisa em seu poder, ainda que seja uma sacola vazia sem utilidade no meio da paisagem desértica. bengalas são para os velhos e doentes, bolsas são para mulheres, galhos são para árvores , não para costelas. O tempo passa, ninguém tira o garoto dali. O cenário não muda. Permanece assim por anos até o dias de hoje. As veias do menino que são aparentes o embalam, dão voltas nos seus pulsos no seu pescoço. Da onde esse menino vem, pra onde ele vai? Qual foi a última palavra que ele disse? Quem ele abraçou por último? Esse menino fala? Alguém escuta?Pode se observar ainda uma pequena sombra, quase imperceptível do garoto ou o que sobrou de um garoto esquálido, frágil cambaleante, esquecido e sozinho, meus deus, sozinho...  

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