O cenario é dramático. Branco
borrado no branco e cinza. Não se consegue ver onde termina o branco do céu e
onde começa o branco da areia. Parece um cenário com fundo falso. Um cenario de
ateliê. Ou é a antártida. Mas se sabe que não é a antártida. Mas é frio. Como
pés descalços no inverno, meias congelas no arame de ropas. Frio que gileteia o
coração. Ao fundo na esquerda uma árvore sem folhas. O esqueleto de uma árvore.Um
tronco com poucos galhos que insistem em
ficar em pé. Poderia designar o segundo
ato de esperando Godot. Poderia. A árvore vai se ramificando como veias que se espalham
em um corpo. Planta com umbigo. Em primeiro plano, a esquerda da árvore um
menino. Ele está nú. Uma nudez dessexualizada, uma nudez estéril. Nudez
invisivel. Qual foi a última vez que vocês fizeram sexo com alguém? O menino
está apoiado numa bengala improvisada. Não se sabe quem segura quem. Ainda forma uma interessante geometria entre as
pernas do garoto e a bengala, um Triângulo equilátero. As pernas do garoto poderiam
ser de madeira, mas são de ossos, secas, frágeis. Lábios secos. Ameixa seca. Dá
sede e água na boca. Ha ainda uma composição maior. A do garoto nú e a árvore
estéril no fundo. As costelas dele aparecem como os galhos mais finos da parte
de cima da árvore. Tudo poderia ficar ainda mais dramático se tocasse adagio
para cordas do Strings. O pé direito dele está um pouco enterrado na areia,
como a árvore que também esta enterrada. A areia subiu pelas pernas até duas
bolas que estão amparadas pelas canelas; os joelhos. A árvore estéril, as finas
pernas e a bengala improvisada. Qual dos elementos é o mais frágil? No final
das contas acaba sendo sempre o homem. O menino está olhando para a esquerda. Não
se sabe o que ele esta olhando. Talvez esperando alguém ou alguma coisa que o
tire daquele quadro. Daquela moldura seca,árida. Ou esperando sua mãe morta. Se
a árvore morrer ou for cortada, o menino ficará inevitavelmente sozinho com a
bengala. Sozinho e nú. Se o menino morrer a árvore é quem vai ficar sozinha,
nua e sem bengala. Mas quem vai morrer vai ser o menino. Talvez nem seja um
menino. Talvez seja um homem. Um saco de ossos com barriga. Costelas a mostra,
rosto caveira, barriga inchada. Mas inchada de que? Criança que não come não
ganha presente.Os braços bengala do menino seguram um objeto. Talvez uma bolsa,
talvez uma sacola. Talvez. Um recipiente vazio. Então para que o menino ainda
segura uma bolsa vazia? Ele roubou? Ele vai encher ela com algo? Ou a
necessidade de segurar, de ter alguma coisa em seu poder, ainda que seja uma
sacola vazia sem utilidade no meio da paisagem desértica. bengalas são para os
velhos e doentes, bolsas são para mulheres, galhos são para árvores , não para
costelas. O tempo passa, ninguém tira o garoto dali. O cenário não muda.
Permanece assim por anos até o dias de hoje. As veias do menino que são
aparentes o embalam, dão voltas nos seus pulsos no seu pescoço. Da onde esse
menino vem, pra onde ele vai? Qual foi a última palavra que ele disse? Quem ele
abraçou por último? Esse menino fala? Alguém escuta?Pode se observar ainda uma pequena
sombra, quase imperceptível do garoto ou o que sobrou de um garoto esquálido,
frágil cambaleante, esquecido e sozinho, meus deus, sozinho...
UM TÍTERE DE SI MESMO: a imagem como interface dos jogos estabelecidos em uma Criação Sistêmica
- Lisandro Bellotto
- Espaço de reflexão do mestrado em artes cênicas (UFRGS). A pesquisa tem por proposta central investigar de que forma as imagens virtuais podem agenciar processos criativos no campo teatral. Para tanto, elaborei uma metodologia onde a noção de “Criação Sistêmica” articula um jogo dinâmico de trocas de materiais criativos para a cena, através dos sujeitos participantes da pesquisa. O resultado cênico foi partilhado através do experimento prático “Um Títere de Si Mesmo”, onde imagens virtuais serviram de fonte de provocação e desestabilização entre os artistas envolvidos. Em memorial reflexivo, relato a caminhada e as inúmeras transformações habitadas pelas imagens: o texto, o corpo, o vídeo, a música, e a representação. Foram empregados materiais disponibilizados pela Internet e equipamentos como câmeras e projetores para construções virtuais sobre a cena. Em termos poéticos, a experimentação reflete a hibridação do ator com as mídias audiovisuais, observando princípios do teatro e da performance. Bolsa CAPES.
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